Quando em 1932 lancei em todo o nosso País, pela primeira vez em termos populares, a propaganda do nacionalismo, não apenas como sentimento, mas, sobretudo, como interpretação de nossos interesses fundamentais em relação ao domínio da terra e da mais firme expressão da nossa soberania, foi objetivando pôr em prática tudo aquilo que o mestre Alberto Torres nos ensina em seus livros.
Ainda que encontremos raízes longínquas de uma política nacional brasileira (a integração territorial efetivada pelos Bandeirantes, a integração jurídica das conquistas dos séculos XVI e XVII, consagrada pelo Tratado de Madrid, a integração nos progressos mundiais, levada a efeito por D. João VI é finalmente, a integração política da opinião pública gradativamente executada no período que abrange o Primeiro e o Segundo Império, na verdade não se cristalizara uma consciência de nossas mais profundas realidades nacionais. O nosso patriotismo, fonte de que se deveriam originar novas concepções de uma política nacionalista, limitava-se (e já era muito) à nossa devoção pela Bandeira do Brasil, ao nosso entusiasmo pelo Hino da Pátria, à exaltação de nossas belezas físicas e à comemoração dos nossos heróis na guerra ou na paz.
Problemas de maior relevância não eram cuidados. Estivemos distraídos diante das iniciativas realistas do Visconde de Mauá; não percebemos o alcance da navegação no rio Amazonas, da nossa projeção financeira no Prata, os dois extremos da Nação onde deveríamos afirmar nossa personalidade nacional. Da mesma sorte, anteriormente, nem percebemos os motivos nacionalistas que levaram D. João VI a confiar ao coronel Varnhagem a instalação de uma fábrica de ferro em Ipanema, nem os esforços do Intendente Câmara procurando desenvolver a siderurgia em Minas Gerais, nem o surto ferroviário desencadeado na Província de São Paulo por Saraiva, e muito menos atinávamos com o espírito da letra conservada morta desde a Constituinte de 1824, determinando a mudança da Capital para o Planalto Goiano, a quem se deve a sugestão do próprio nome de Brasília.
Tudo isso constituía obra de elites esclarecidas, mas não expressiva de uma consciência de povo.
O material para o conhecimento das nossas riquezas minerais, vegetais e zoológicas já o possuíamos. Desde as investigações de Guilherme Piso, no século XVII até as revelações de Humboldt e as pacientes pesquisas de Von Martius, de Saint Hilaire, de Lund, no século XVIII, não se falando na iniciação anterior de Conceição Veloso e seus discípulos, vínhamos tendo conhecimento da nossa terra e de suas possibilidades. No campo da etnografia e do estudo da psicologia do selvícola, encontrávamos manancial, a partir de Anchieta, Montoya e Simão de Vasconcelos, no passado, até Barbosa Rodrigues, Batista Caetano e Couto de Magalhães em nossa contemporaneidade.
Para manter vivo o sentimento nacional brasileiro, tivemos poetas e prosadores, da estirpe de Gonçalves Dias e José de Alencar, seguidos de numerosos outros nas sucessivas gerações e culminando no tão malsinado, mas tão grande e glorioso livro “Porque me ufano de meu País”, do Conde de Afonso Celso. Dessa pequena bíblia de nacionalismo sentimental, originou-se o vocábulo ao qual só quis dar sentido pejorativo, ou seja o “ufanismo”, julgado inútil e platônico para os objetivos de uma ação nacionalista eficaz. No entanto, se esse livro não entra na apreciação objetiva e prática de nossas realidades e necessidades, não se pode negar que ele representa uma fonte de inspiração e de estímulo a quantos, lendo-o, sintam o imperativo de ver de se dedicarem ao estudo e solução dos problemas fundamentais da Pátria.
A orientação para tais estudos e para o desenvolvimento de uma campanha de educação de nosso povo e de incentivo aos nossos cientistas e técnicos, busquei-a, como disse no começo deste artigo, em Alberto Torres. Complementando a leitura de seus livros, recorri às lições de Euclides da Cunha, Tavares Bastos, Pires do Rio, Calógeras e de inexplicavelmente esquecido Elísio de Carvalho.
O apostolado nacionalista que me impus logrou imenso êxito. Uma plêiade de homens notáveis, muitos professores universitários, colaborou no meu esforço. Brotou (é o termo) em torno de mim uma juventude estudiosa e ardente no meu idealismo, a qual se pôs em campo doutrinando, ao mesmo tempo que mergulhava no estudo das matérias para as quais suas vocações eram atraídas. De 1932 a 1937, formou-se uma geração, com nova mentalidade, dominando a problemática brasileira em todos os seus aspectos. Muitas das realizações tendentes ao nosso desenvolvimento econômico, científico, social e cultural das três últimas décadas se devem àqueles, então jovens, hoje ocupando os mais altos cargos na cátedra, na magistratura, na administração e na política.
Os acontecimentos mundiais, o próprio crescimento do País, a complexidade dos assuntos decorrentes do progresso técnico e das relações de trabalho, os prejuízos oriundos da influência de pensadores estrangeiros e de certa anarquia mental das chamadas elites, tornaram o panorama das nossas realidades mais difícil de ser decifrado.
Aquele crime denunciado por Alberto Torres e que consiste em aceitarem os brasileiros, até com entusiasmo, ideias e teorias tendentes a nos subordinar, mediante um complexo de inferioridade que tais ideias e teorias nos impõem, torna-se hoje evidente em muitos setores da inteligência patrícia, estabelecendo-se confusão nos espíritos em face de certas questões fundamentais ligadas à sobrevivência e vitalidade da Nação. Há como que uma diáspora do pensamento nacionalista, de tal maneira, que desejando todos a mesma coisa, andam pelos caminhos mais diversos e por vezes contrastantes.
Uns confundem os conceitos de Estado e Nação, ou dando proeminência àquele, ou identificando com esta, segundo a concepção da escola histórica alemã a teoria de Bluntschili, e caminham para uma estatização crescente dos meios de produção, para os descalabro das administrações estatais, comprovado em todos os países que as adotaram, para o enriquecimento do Tesouro Público, mediante tributações insuportáveis, e consequente empobrecimento do povo. Outros, ligados a grupos econômicos estrangeiros (não digo por interesses inconfessáveis, mas por errôneas concepções de nossas necessidades de desenvolvimento), subordinam seus critérios monetários ao agiota internacional, o que favorece em nossa terra a expansão do capital alienígena, em detrimento da indústria e do comércio brasileiros. Ainda outros, ideologicamente presos ao cordão umbilical das Repúblicas Socialistas, combatem o capitalismo ocidental, porém, o fazem às cegas, sem atentar para cada caso particular, com isso abrindo as nossas portas ao imperialismo soviético. Muitos preocupados com o problema social, pretendem desorganizar nossa precária, mas pelo menos produtiva estrutura agrária, ou perturbar o ritmo da nossa organização industrial. Na esfera cultural, o nacionalismo ou passa a constituir um preconceito contrário à ideia da humanização e confraternização dos povos, ou apenas significa um sinônimo de progresso científico e técnico, fazendo tábua rasa das tradições brasileiras, instituindo métodos de educação despersonalizante, que se limita a fabricar profissionais, porém nunca cidadãos brasileiros conscientes de suas responsabilidades e deveres para com a Pátria.
Entretanto, imensos problemas desafiam a nossa argúcia e exigem de nós uma ação imediata e profícua, na defesa de nossos órgãos vitais de produção; na sustentação de nossa soberania, que não pode ser apenas uma ficção política, mas uma realidade econômica e moral; e, já agora, na preservação do próprio patrimônio territorial que nos pertence, não por obra de conquista militar ou de compra, como foi nos Estados Unidos, mas em resultado de uma herança de séculos.
Urge, neste momento, uma unificação do pensamento nacionalista. Ele deve basear-se na tradição nacional; na manutenção da personalidade nacional; na sustentação, a todo o transe da nossa posse sobre o território nacional, a qual pode ser ludibriada através de hábeis manobras de aquisição de terras por grupos financeiros a serviço de remotas ou próxima reivindicações políticas de nações imperialistas; na reserva de nossas riquezas minerais o nosso potencial elétrico e de materiais atômicos; na execução de uma política externa equilibrada, sensata, mas irredutível na defesa de autodeterminação dos povos, excluídos os sofismas das falsas autodeterminações tão a gosto do capitalismo ocidental como do imperialismo comunista.
Iniciar uma campanha no sentido de encontrar o denominador comum de um nacionalismo cada vez mais desorientado, eis o que nos incumbe neste momento. Examinar as diversas tendências, expungí-las dos exageros nativistas e das concessões cosmopolitas, encontrar a linha comum de uma ação altiva, firme, nobilitante: formar uma consciência de brasilidade, tão lúcida, tão firme, tão irredutível, como convém a um povo digno — essa a tarefa que nos compete.
Temos a defender nossos capachos vazios, ocupando-os. O presidente Juscelino foi o homem que reatou a política portuguesa da ocupação do Oeste. De Brasília, lançou as pontas de lança das estradas para Belém e para o Acre às margens das quais estão nascendo povoados e surgindo fazendas. Mas não é tudo. Como disse Assis Chateaubriand, em notável pequeno discurso que lhe ouvi na Nova Capital, temos de fazer dos grandes rios nossas estradas líquidas, com navegação fluvial. Por outro lado, as capitais do Sul precisam interessar-se pela Amazônia. Uma política de colonização racional deve acompanhar esse esforço.
Em pequeno livro que o autor chama modestamente de “reportagem”, nosso confrade Humberto Dantas levanta o véu sobre o perigo que representa para o Brasil o abandono da região amazonense. Diz: “Os espaços abertos estão despertando interesses suspeitos. Há fome de espaço para as multidões que se se comprimem em certas áreas do mundo. Escreve-se uma literatura que não é impressionista nem fantasiosa, mas profundamente realista, indicando a Amazônia como a área própria para se resolverem problemas daquele tipo. Sustenta-se a tese de que as soberanias não podem ser mais invocadas quando as chamadas “interesses da humanidade” são mais importantes. Impõe-se, por isso, a elaboração urgente de uma consciência brasileira em torno à gravidade do problema da Amazônia”.
O pequeno mas interessantíssimo livro de Humberto Dantas vem prestar enorme serviço aos nossos objetivos nacionalistas. Foi lendo-o que escrevi as considerações que aqui publico sobre os conceitos do nosso nacionalismo, entre cujos problemas, se insere o da Amazônia.
Wallace, o cientista incapaz de ver a realidade das regiões que visitava, foi o caluniador do homem brasileiro, em relação à Amazônia, dizendo: “aqui tudo é grande, menos o homem”. Nada viu do que viram todos os outros viajantes ilustres, como Martius e Agassiz. Aquela região portentosa tem sido o fracasso de todas as tentativas de colonização estrangeira, notadamente dos norte-americanos, fugidos do Sul daquele país ao fim da guerra de secessão. Tem sido o caboclo brasileiro, desamparado dos governos do seu país, o gigante que mantém para a sua Pátria cinco milhões de kilometros quadrados. Chegou o momento de aliviarmos o novo Atlas, utilizando a técnica moderna e pondo aos ombros da Pátria Brasileira o pesadíssimo encargo que a só ela compete sustentar.
Autor: Plínio Salgado. Retirado de “Diários Associados”, 14 de Março de 1967.